sexta-feira, 30 de abril de 2010

Buscar o reino, viver o reino, ser o reino!

“Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mt 6:33)
 Constantemente ouvimos irmãos e irmãs dizerem: "primeiro temos que fazer as coisas pra Deus...depois é que devemos nos preocupar em fazer as coisas para nós". No entanto, continuam vivenciando uma ansiosa solicitude por suas vidas.

Tal afirmação, ou coisa parecida, denota uma certa rigorosidade e busca de autojustificação em cumprir o que Jesus ordenou no texto acima,além de apresentar um desvio da verdade implícita naquele ensino. 

Leia o texto de Mateus 6: 25-34 e faça a si mesmo a seguinte pergunta: "qual a coisa mais importante desse texto?". 

Abaixo transcreverei apenas os versículos  25,33 e 34:


“Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? (...)Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”

Somos levados quase que instantaneamente a dizer: "buscar o reino de Deus é a coisa mais importante desse texto", mas, permita-me emitir uma segunda opinião.

É verdade que a importância desse esclarecimento do Senhor sobre o que devemos buscar não encontra paralelos na literatura universal. Até porque é só na Bíblia que a origem e a natureza de tal reino são esclarecidas primordialmente. No entanto, pergunte-se: o que motivou Jesus a falar tais palavras durante o "sermão do monte"?

Entendo que Ele introduz tais palavras com o que deva ser observado como a "principal" ideia motivadora de empreendermos a busca do reino: " Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir."

 Isso é tão importante que dá a tônica de todo o restante dessa parte de seu discurso. Inclusive, termina-a com a mesma ênfase: " Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”(v 34).

Ansiedade! O mal que mais assola a alma da humanidade (que caminha junto com o mal que mais assola o corpo físico: a cefaleia ou a dor de cabeça considerada "o mal do século"). Este post, no entanto, não tem finalidade de esclarecer origem e efeitos da ansiedade. Desejo apenas auxiliar aos leitores a compreender esse maravilhoso texto bíblico, e qual, realmente, é sua aplicação para nossas vidas.

Se entendo que Jesus percebia os motivos - doenças, dívidas, religiosidade, possessões demoníacas, curiosidade, inveja, ciúmes etc. além da ansiedade de ver resolvida toda a conjuntura política da época - que levavam a maioria dos que faziam parte daquela multidão a buscá-lO, posso entender também que falava a pessoas que O viam como "o reino" que Ele e João anunciavam. Para isso abandonavam tudo o que faziam e o que amavam, passando dias ao seu lado e dos discípulos ( a multiplicação de pães foi motivada devido ao tempo que estavam naquele lugar isolado da civilização). Então, por que  Jesus dizia "buscai em primeiro lugar o reino..." a pessoas que o buscavam? Estava Ele reforçando ou aprovando o que estavam fazendo?

Ao refletir profundamente sobre isso, à luz da Palavra de Deus, pelo Seu Espírito, você , possivelmente, chegará à mesma conclusão que cheguei. Por isso, se quiser parar a leitura aqui e aprofundar-se em suas meditações faça-o imediatamente. De qualquer forma continuarei a apresentar o que o Senhor, por seu misericordioso Espírito, me fez concluir.

O erro de interpretação e, logicamente de conduta quanto ao que é ordenado, decorre das palavras "primeiro lugar" (v 33). Opiniões, textos, pregações, conselhos, muitas coisas já foram ditas sobre o assunto, mas em sua maioria dizendo exatamente como na minha introdução: " busque primeiro as coisas de Deus..." induzindo os leitores ou ouvintes a separarem o que é de Deus e o que não o é no que se refere ao pensar, falar e agir. Como se, paradoxalmente, o Caminho do Senhor fosse dicotômico (partido em dois), ou seja, num momento estamos nele, no outro não.

O texto é claro, mas quando o explicamos com interpretações que levam as pessoas a praticarem aquilo que  ele não ensina torna-se um argumento falso. O apóstolo Paulo chama a isso de "sofisma"* e creio que, intencionalmente, alguém introduza tais coisas no ensino cristão, e daí permanecendo como verdade, para que a igreja seja uma praticante de aparências sem qualquer verdade em sua vida diária. 

O Espírito Santo opera então, de tempos em tempos, naqueles que amam o Senhor e a igreja triunfante para que tais argumentos  sejam derrubados, pois eles atendem a interesses particulares e clientelistas de religiosos inescrupulosos ou desatentos da verdade, gente boa, mas que cedem a apelos reprováveis do mercantilismo cristão. E derrubar tais coisas cabe a cada um de nós fazer, como esclarece o texto abaixo:
"Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne, pois as armas da nossa milícia não são carnais, mas poderosas em Deus, para demolição de fortalezas; anulando nós sofismas e toda altivez [orgulho, arrogância] que se ergue contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência a Cristo..." (2Co 10: 3-5)
Por isso fazer valer a prioridade da busca do reino sobre "todas" as outras coisas como ato religioso é meramente sofismático. Vejamos:


Se não é para buscarmos nada em "segundo lugar", posso concluir que o "primeiro lugar" que Jesus anuncia ali é um estado contínuo de vida em Deus. Ou seja, em tudo o que eu fizer, o reino não pode estar em outro lugar senão dentro de mim, fazendo comigo, necessitando comigo, imaginando comigo, desejando comigo, trabalhando comigo...

Isso se torna mais claro quando fazemos-nos a pergunta "onde está o reino? "  que é o questionamento mais comum quando Jesus tocava no assunto. Ao buscar a resposta, em Jesus, encontramos: 
"Sendo Jesus interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes: O reino de Deus não vem com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! pois o reino de Deus está dentro de vós." (Lc 17:20,21)
O súdito do Senhor tem seu coração transformado e vivificado pelo Seu Espírito. Se crê, o espírito do súdito-servo-amigo-filho vive! É na liberdade que Cristo nos oferece que vivemos o reino intimamente, sem sofismas, sem religiosidade, sem" fazeres pra Deus", sem "melhores pra Deus". Somos o que somos em Deus, não no que fazemos ou buscamos. 

Buscar é um início. Os "sem fé" devem buscar o reino até receberem a fé que Deus lhes oferece gratuitamente. Por isso "buscar" é o único ato sem fé que as pessoas devem ter. depois disso , com fé, devem viver o reino e ser o reino.  

Viver o reino passa a ser um estado contínuo de gratidão e louvor em meio às tempestades que assolam a vida humana e de regozijo no Senhor quando elas dão uma trégua, na esperança de que "não podem  ser comparadas com a glória futura que há de ser revelada em nós...a redenção de nossos copos" (conf. Rm 8:13ss).

Ser o reino torna-se um testemunho contínuo dele em nós, atraindo os nossos próximos para Jesus, não com falácia e obrigações religiosas de evangelismos, mas com demonstrações de amor no Espírito Santo que em nós habita.

Falar,  fazer, desejar, trabalhar, vestir, comer, cuidar passam a ser necessidades saciadas em meio ao que somos em Jesus Cristo, em Seu reino, mediante o agir de Seu Espírito em nós.

"O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; entretanto o meu reino não é daqui. (Jo18:36)

Quando dizemos que precisamos ir primeiramente à igreja (templo), ou ler a Bíblia, orar, evangelizar, para depois vivermos nossa vida cotidiana, estamos afirmando aquilo que mais repudiamos: o reino de Deus está em outro lugar que não dentro de nós. 

Ou seja, quando participar de atividades na igreja representa o esforço  para lá buscar o Senhor, concebe-se então que não somos santuário do Espírito Santo (conf. 1 Co6:19), onde, numa relação vertical permanente, adentramos o santíssimo lugar estabelecido em nossos corações, e, ali , falamos com Deus continuamente.  A importância daquele lugar construído para comunhão está exatamente na oportunidade periódica da lembrança, um ao outro, da prática do amor do nosso Deus que se relaciona sim com um povo, mas , primeiramente, com cada um individualmente. No entanto, a maior prática do Evangelho não se dá ali dentro, mas fora, sendo "luz" e "sal" no mundo.

Quando ler a Bíblia representa buscar o reino em primeiro lugar, estendemos que não se aprendeu que o Espírito Santo ministra diretamente ao nosso coração e mente fazendo com que a letra lida seja gravada neles para vivermos o reino diuturnamente; que tal forma de "busca" sugere que  aprendemos e falamos com Deus de vez em quando e não, incessantemente, em espírito (conf.Ef 6:18; Jd 1:20)

Se evangelizar domingo às 15 h deve ser considerado como o que Jesus quer dizer como "primeiro lugar" , então não concebemos que o testemunho do Senhor deve exalar por nossos olhos, palavras, sorrisos, carinhos, conselhos de paz, em nossas relações diárias com aqueles que nos rodeiam.

Se considerarmos que trabalhar, estudar, comprar, comer, cuidar, devem ser buscados DEPOIS de termos buscado o reino, então o reino não está em nós. 

Alguém religioso perguntou a Jesus que mandamento deveria ser considerado como principal. Surpreendente (para os fariseus, sacerdotes e escribas) foi a resposta do Senhor:
"Ao que lhe disse o escriba: Muito bem, Mestre; com verdade disseste que ele é um, e fora dele não há outro; e que amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios.


E Jesus, vendo que havia respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E ninguém ousava mais interrogá-lo." ( Mc 12:32-34)


Na afirmação acima feita pelo escriba a Jesus, denota-se o vínculo religioso  cumpridor de mandamentos, diferentemente do que Jesus anunciava como "reino". O escriba achava que, por ensinar aquilo que  Jesus afirmava e que havia endossado, poderia ser encarado como "participante do reino" anunciado.

Cada um, cumprindo o que entende como religião, não amando a Deus e ao próximo sobre todas as coisas que existem por fazer, não estará no reino. Com sua resposta, derrubando "sacrifícios e holocaustos "como veículos de entrada no reino, o escriba estava "próximo" de alcançá-lo, como afirmou Jesus, mas ainda não estava nele. Precisava ainda empreender uma busca que renegaria todo orgulho e altivez de seus cumprimentos religiosos como substitutivos do amor de Deus e ao próximo em suas ações,em seus  pensamentos , em seus sentimentos e ensinos.

Todo aquele que busca encontrar o reino, e ,encontrando-o, vive e passa a sê-lo, faz toda e qualquer coisa sem separar-se dele. Buscar viver separadamente do reino seria a mesma coisa que tentar separar o azul do céu , o azul ou o verde da água do oceano, a beleza da flor, o doce do açúcar, o sabor do sal, o brilho da luz...Coisas inseparáveis! Se de alguma forma mudarmos a natureza de uma a outra também perde sua manifestação.
"...porque o reino de Deus não consiste no comer e no beber, mas na justiça, na paz, e na alegria no Espírito Santo. Pois quem nisso serve a Cristo agradável é a Deus e aceito aos homens." (Rm 14:17)

Buscar o reino é um ato para os que ainda não o encontraram; viver o reino é um estado de vida contínuo inseparável do que necessitamos; ser o reino é testemunhar a todos ao nosso redor ( muitas vezes não são necessárias palavras) em que o Espírito Santo nos transformou: um servo da paz de Deus, um filho do reino do Seu Amor.

Despeço-me com as palavras do apóstolo Paulo:

"Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus; sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda a perseverança e longanimidade; com alegria,dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz. Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor,  no qual temos a redenção, a remissão dos pecados." (Colossensses1:13)
Paz em Jesus que nos liberta de dogmas enganosos e sofismas destruidores da verdadeira comunhão em Cristo com aqueles que O amam acima de tudo.

Ocimar

*Sofisma : segundo a Pequena Enciclopédia Bíblica de O.S. Boyer, é "um argumento falso intencionalmente  feito para induzir outrem em erro."