domingo, 12 de maio de 2019

Crescer na Graça: subindo escadas ou compartilhando ambientes do conhecimento?

Entardecer na Praia de Manguinhos - Búzio-RJ*


"...até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo." (Efésios 4:13)






Tenho refletido , há algum tempo, sobre a "escada da ascensão" em direção ao pleno conhecimento da Graça do Cristo, o Filho do Deus Vivo. Seguir crescendo "até à estatura completa" dEle, ou seja, "a de homem perfeito", parece um fato espiritual incontestável no meio religioso. O problema está na necessidade humana de impor um sentimento de superioridade pela busca e conhecimento "alcançados". Isso não só ocorre no cristianismo, mas também em outras religiões e em segmentos acadêmicos. Ou seja, também aí, a "igreja" tem imitado mundo.

Tal problema se abastece na compreensão do próprio ambiente de busca e aprendizagem, o qual tem imposto esse status de superioridade à medida que se "sabe mais" na "escalada" do conhecimento. 

Que o Novo Testamento nos aponta um ponto de chegada quanto ao conhecimento do Cristo em nós é incontestável. Mas quanto a isso significar que eu chegarei antes de outros merece maior reflexão à luz do texto bíblico.

No capitulo 4 da carta aos Efésios, diversos olhares interpretativo podem (co)existir. Segundo o que passo a interpretar na reflexão sobre a fé que foi dada à Igreja (a invisível),  torna-se muito significativa a parte inicial do versículo 13: "Até que todos cheguemos à unidade da fé...".

Claro que, se eu imaginar uma escada ascendendo a patamares superiores  até contemplarmos a Revelação final do Cristo de forma universal (não na forma individual), posso imaginar um buscador sendo revelado após o outro. Isso porque o último degrau antes do próximo patamar receberia um buscador de cada vez por uma escada estreita. Mas também posso imaginar uma escada mais larga onde diversos buscadores, mundo afora, chegassem, ao mesmo tempo, ao próximo patamar da graça e do conhecimento da Revelação em Cristo.

Esta última interpretação vincula a mente do leitor bíblico diretamente ao que o Senhor explica sobre "a porta estreita e o caminho apertado" em Mateus 7:13,14 e, assim, a mente do leitor rejeita a ideia de "escada larga" imediatamente

Mas em Mateus 7 o contexto é diferente do que podemos ver em Efesios 4: No primeiro contexto , o Senhor alerta sobre os diversos espaços religiosos, que atraem e ajuntam multidões, não serem o ideal para a busca quase que solitária do entendimento da Verdade ("Quando Jesus acabou de dizer essas coisas, as multidões estavam maravilhadas com o seu ensino, porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei"- vv 28,30). Enquanto que, no segundo, o apóstolo Paulo esclarece que a busca do conhecimento do Senhor, para o crescimento na Sua Graça, denota uma vivência pessoal na fé, em ambientes interiores e exteriores, que ampliam a consciência do buscador rumo à Graça plena do Cristo. Por isso, aqui, Paulo finaliza o capítulo com recomendações para as observações que poderão ser feitas em uma "nova pessoa" quando ocorrer tal transformação da sua consciência e, consequentemente, das ações objetivas de quem busca o conhecimento :

"E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade. Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros .Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao diabo..." (Ef 4:24-27).

Abrindo um parêntese, observe que o autor, aqui, não diz que mudando sua atitude você ascenderá ao conhecimento do Cristo, mas por ter alcançado tal graça (ele diz "por isso...") suas atitudes refletirão tal revelação. No entanto, também o esforço individual em querer ser como o Cristo o ajudará no vislumbre da Revelação, "elevando-o " a uma situação interior melhor do que antes sua alma se encontrava. E é a isso que temos chamado de "próximo patamar". Então, buscar mudar atitudes imitando quem verdadeiramente já o faz, mostra boas intenções de um coração a ser revelado na graça. Mas sabemos que as aparências também enganam.

Fechado o parêntese e voltando ao meu objetivo na reflexão dos ambientes de revelação, busco eliminar a falsa sensação de superioridade imposta pela interpretação de "patamar superior" e "ascensão" ao subir uma suposta escada do conhecimento. O início do versículo 13 de Efésios 4 faz menção a "que todos cheguemos à unidade da fé..." e não aponta a forma objetiva de como ali chegaremos.

Pensemos então numa outra metáfora da "ascensão" do conhecimento em nós, agora podendo ser entendida tanto individual como coletiva:

Ao entrar em um cômodo com quatro portas, uma em cada parede, excetuando-se a porta em que se encontra, você terá três opções para continuar sua caminhada. Imagine que o número de ambientes com portas são incomensuráveis e você não tem noção completa do todo (só o teria quem olhasse todos os ambientes de cima). 

Se eu puder dar a esse ambiente a conotação de "ambiente coletivo de revelação"**, minha escolha da porta (aparentemente ao acaso, pois todas as portas são iguais e desconhecido é o que está além dela) me levará a um outro ambiente revelador. No entanto, outros buscadores poderão  sair daquela porta que eu escolher e entrar por aquela que eu já havia deixado pra trás. Como não tenho noção do todo e só poderei refletir o que já apreendi, me cabe apenas prosseguir conhecendo. 

Com essa reflexão, em ambientes com portas em vez de escada para a ascensão espiritual, me percebo mais inserido numa busca coletiva, embora eu entenda que as percepções e aprendizados em cada ambiente sejam individuais. O rumo a ser seguido e a porta a ser aberta passa a ser uma ação pessoal. No entanto, muitos outros buscadores podem também ser encontrados tanto no próximo ambiente como no que eu agora esteja.

De certa forma, conhecer algo que outro já conheceu acerca do Cristo nos dá uma maravilhosa sensação de compartilhamento, e, quem sabe, antes de escolhermos a próxima porta, ainda poderemos estar juntos, num mesmo ambiente, trocando sensibilidades e informações. Isso poderá nos inspirar a seguir viagem, quem sabe, com maior certeza do que antes.

É assim que tenho percebido os momentos oportunos para conhecer o que Jesus Cristo está fazendo em cada um dos meus companheiros de jornada e em mim. Às vezes estamos num mesmo ambiente mental e espiritual compartilhando aprendizados e sensibilidades, às vezes partimos por portas diferentes, podendo encontrarmo-nos mais adiante ou ao lado. Às vezes, ao escolhermos uma porta, damos de cara com um ambiente que já passamos. Voltamos atrás e abrimos outra porta ou permanecemos ali porque outros que já haviam chegado necessitam de alguns momentos de compartilhamento por quem ali já esteve. E você fica. Mas temos que continuar abrindo portas, pois todos os ambientes inspirados a partir da fé no Cristo (e muitos não o são), o Filho do Deus Vivo, compõem a totalidade da Graça do Seu conhecimento. 

Achar que já chegamos ao ápice do que nos está reservado pela suprema sabedoria do Senhor, só porque nos sentimos plenamente agraciados, me parece "meninice" espiritual. Por isso, a sensação de compartilhar conhecimento com o próximo é semelhante ao saciarmos necessidades materiais, como alimento, roupa, remédios e visitação. Quem sabe seja tal sensação o impulso que esteja por trás de tantas pregações, ensinos e livros no mundo cristão. Infelizmente, assim como fariseus e saduceus introduziram "fermento" no ensino da justiça, da misericórdia e da fé, o melhor das escrituras segundo o próprio Jesus Cristo (cf. Mt 23:23), assim também, confundimos a sensação maravilhosa do compartilhamento com superioridade do conhecimento adquirido.

Para quem saiu da visão objetiva das quatro paredes do templo e contemplou, corretamente, a metáfora acima como ambientes transcendentais no Espírito Santo do Cristo, desejo-lhe o aniquilamento da sensação de superioridade do "mim mesmo" pela Glória do Senhor achada em seu atual ambiente de conhecimento e encontro com Ele.

Paz em Cristo Jesus!

Ocimar Ferreira
Cabo Frio-RJ.

*Foto: Entardecer na Praia de Manguinhos - Búzio-Rj. Por Everaldo e Fernanda, amigos de sempre (http://praiademanguinhos.blogspot.com/). A imagem nos remete ao Salmo 19, um silente ambiente de conhecimento do Deus Vivo!

**Aqui, o "conteúdo" consiste em participarmos, plenamente, da revelação do novo ambiente mental, emocional e espiritual. Claro que isso, para o cristão, só se justifica quando tal revelação provém do Espírito do Senhor e na condução do buscador, por ela, para a simplicidade do Evangelho do Cristo no Seu e para o Seu amor.

2 comentários:

  1. Imaginar que a escada que ascende a patamares superiores até contemplarmos a Revelação final pode não ser tão estreita assim, pode ser difícil para muitos, mas, até que seria um grande avanço contemplá-la mais larga e ampliar a possibilidade de vários buscadores poderem chegar ao mesmo tempo ao próximo patamar da graça e do conhecimento da Revelação em Cristo.
    A visão metafórica de uma “ascensão” linear do conhecimento em nós, podendo ser entendida tanto individual como coletiva, através de imensuráveis “ambientes coletivos de revelação” acessíveis a todos que queiram adentrar pelas suas múltiplas portas, parece ser, realmente, mais coerente no tocante a unidade da fé.
    Meu questionamento, no entanto, é o seguinte: O que acontece se alguém resolver estacionar em um desses ambientes em que teve acesso e dar-se por satisfeito? Qual a força que o moverá a seguir adiante e o conscientizar da necessidade de compartilhar a sua porção do conhecimento? Em que momento os que estão sempre no movimento da busca chegarão a conclusão da necessidade de compartilharem seus aprendizados com seus semelhantes? De que forma isso ocorrerá? Será que o sentimento de superioridade, com o passar do tempo, entra num estágio de maturação, levando o buscador a se desnudar dessa falsa postura hierárquica? Será essa maturação independente do livre arbítrio do homem?
    Bem, quero crer que ninguém fica inerte num lugar para sempre, afinal, segundo afirmam (cientistas) todo o Universo está em movimento.
    É muito interessante a quebra da superioridade do crescimento e de sua consequente pseuda hierarquia, afinal, esse fato é confirmado pelo que está escrito em Salmos 37:11 que diz: “Mas os mansos (humildes em algumas traduções) herdarão a terra, e se deleitarão na abundância da paz”.
    Sei que muitos têm pressa e acabam não se detendo no ambiente que já estiveram, impossibilitando assim, que haja o salutar e necessário compartilhamento do saber. Talvez estes se acham realmente no ápice, porém, concordo ser meninice. Mas, ainda que não se detenham por onde já tenham passado, o importante é que se conscientizem que todos deverão ter o conhecimento pleno de CRISTO para que haja unidade da fé. Não conseguirão ser plenos nesse conhecimento se não se libertarem da miopia da superioridade.

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  2. Muito boa reflexão sobre o texto, mano! Na realidade, a própria vida nos impulsiona para outros ambientes. Veja o tão falado "primeiro amor" na fé cristã! Há uma certa busca frenética pra se reconquistar este estado de relação com Deus e, por isso, podem ocorrer muitas decepções por não revivê-lo. No entanto, à medida que continuamos vivenciando diversos ambientes espirituais em Cristo Jesus - e isso é metafórico porque ocorre na esfera do espírito de cada um - o amor amadurece e aquelas concepções ainda imaturas (inocentes) dos tempos iniciais da relação com a igreja vão "crescendo em graça" e deixamos de ser "meninos na fé" como o apóstolo Paulo nos alerta. Isso mostra que as relações de fé e o aprofundamento nos textos bíblicos (a Palavra) são necessários e nos conduzem a outros ambientes que nos fazem refletir e crescer no conhecimento do Nosso Senhor Jesus Cristo.No entanto, se esquecermos a simples Graça que Ele nos dá continuamente, e permanecermos apenas no agir institucional, os embaraços da fé acontecerão como avalanches e seremos sobrecarregados de religiosidades que só conduzem para outros ambientes que nada têm a ver com fé. Pode-se viver a vida toda assim e de repente acordar no momento da morte ou de alguma tempestade emocional. o apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 11 diz que, na igreja, muitos estão doentes por falta de conhecimento (consciência) e perdão na comunhão uns com os outros (esqueça esse "partir do pão moderno" que não existia na igreja que Paulo vivenciou). Logo, enganados pela própria religiosidade adquirida, permanecemos em ambientes espirituais internos que podem nos fazer "dormir" por muito tempo. Beijos nesse coração buscador.

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